Mosaico de taças, século II dC, de Dougga, no Museu Nacional do Bardo (Tunísia).

Antes de falarmos da escravidão antiga, propriamente dita, é importante dizer, que estamos falando de um sistema escravista que se tornou preponderante na chamada, antiguidade clássica, e que compreende parte do mundo grego e do mundo romano na antiguidade. Não devemos crer que o escravismo antigo  vigorou em todo o território destas civilizações de forma indistinta, pois, segundo Moses Finley (1991), foi algo específico apenas na região central da Grécia, da Itália e Sicília.  Um outro ponto importante, é percebermos que, apesar do escravismo antigo se tornar preponderante, a escravidão patriarcal não desapareceu do mundo grego ou romano, ele coexistiu com o escravismo antigo, pelo menos por um tempo, principalmente nas regiões mais afastadas das grandes cidades.

Mas como o escravismo antigo se tornou preponderante?

Segundo, Finley (1991), para que o escravismo pudesse se tornar preponderante, tanto na Grécia quanto em Roma, são necessárias três condições: a primeira, em um mundo rural, a concetração de terras na mão de uma classe, onde haja necessidade de uma força de trabalho permanente, perpassando a esfera familiar; a segunda, o desenvolvimento de atividades voltadas ao mercado, bens de produção para venda; e terceiro, a ausência de mão de obra permanente, sendo necessário recorrer ao trabalho estrangeiro.

Diante destas condições elencadas por Finley (1991), na Grécia, segundo Mário Maestri (1986), o escravismo antigo só se tornou dominante entre o período arcaico (séc. VIII a.C. – séc. VI a.C.) e o período clássico ( séc.VI a.C. – séc.V), com advento da pólis e da concentração de terra nas mãos de um grupo, neste caso, os eupátridas. Para Ciro Flamarion Cardoso (2003), foi na região da Ática, durante o séc.VI a.C. que se desenvolveu condições propícias para o advento do escravismo antigo dentro daquilo que Finley (1991) propôs como importante para consolidação do sistema. Segundo Cardoso, o período foi marcado pelo aumento populacional, concentração de terras, urbanização e o desenvolvimento de relações mercantis, ou seja, duas das três premissas porpostas por Finley (1991), concentração de terra e uma economia mercantil. As reformas feitas por Sólon (594 a.C), extinguindo a escravidão por dívidas, seria a terceira premissa que faltava, pois, teria provocado uma escassez de mão de obra interna, diante disto os camponeses libertos desta condição, não iriam se submeter às condições exigidas pelos latifundiários.

Em Roma, o escravismo antigo se consolida, segundo Ciro Flamarion (2003), entre os século III a.C. e o século III d.C., ou seja entre a fase da República (509 a.C – 27.a.C) e o Império (27 a.C – 476 d.C). Neste sentido, teria sido neste período que Roma passaria por mudanças, marcadas pela concetração de terra, urbanização e o desenvolvimento de uma produção “pequeno-mercantil”, estas mudanças são cosequencias. O termo “pequeno-mercantil”, é usado por Mário Maestri (1986), pois, segundo o autor, dois pontos são elencados para o uso do termo, o primeiro é o fato dos romanos não terem conseguidos superar o entrave do sistema de transporte pouco eficiente, o segundo, o “caráter natural da sociedade antiga”, logo, não havia uma produção em larga escala, como se fez durante a Idade Moderna.  As mudanças operadas no seio do mundo romano, estão associadas, como nos mostra Mário Maestri (1986), as guerras expansionistas do século III a.C. Por tudo que já mostramos, temos dois, dos três pontos, elencados por Finley (1991) que tornam o escravismo antigo preponderante, concetração de terras, o surgimento de uma economia mercantil. O terceiro ponto, a escassez de mão de obra interna, segundo Ciro Flamarion  (2003), surge com a lei Poetélia Papira (326 a.C.), esta, resultado da luta entre patrícios e plebeus, extingue o nexum, ou seja, a escravidão por dívidas. Assim como ocorreu em Atenas, o camponês, livre do nexum, além de reinvindicar a posse da terra, não se submeteria às condições precárias e permanentes exigidas pelo produtor, gerando necessidade de suprir essa escassez. Sendo assim, é nesse momento que o escravismo antigo se consolidou nesta sociedade.  

Quem são esses escravizados e como o escravismo antigo se configura?  

Na Grécia antiga, com a consolidação do sistema, os escravizados chegavam a esse status por serem prisioneiros de guerra, ou fruto da pirataria, do tráfico de escravos, mas também, por dívidas (condição extinta a partir de Sólon). Crianças abandonadas ou que já nasciam nesta condição. Os escravizados estavam presente, tanto no espaço rural, voltados para uma agricultura mercantil ou no trabalho nas minas, quanto no urbano, presentes na esfera particular e pública, ocupando várias funções que poderiam ser nos mais variados ofícios, até como “funcionários públicos”!

Em Roma antiga, as condições da escravização, são próximas às gregas. Paul Veyne (1990), faz uma ressalva, segundo o autor, os prisioneiros de guerra, só fornecia uma pequena parte dos escravizados. Para ele, a maior parte vinha da reprodução interna e

“do abandono de crianças e da venda de homens livres em condição de cativeiro” (Veyne, 1990, pág. 62),

ou até mesmo da venda de si mesmo. Importante frisar que, o enjeitamento das crianças, na Roma antiga, era prática comum, e a escravização destas também. A escravidão esteve presente em todos os espaços que exigissem trabalho permanente. Os indivíduos submetidos a estas condições, ocupavam os mais variados postos nesta sociedade, e, sua sorte ou não, sendo definida pela posição que ele ocupava na sociedade. Os que trabalhavam na zona rural e na mineração, tendo condições mais duras.

Partindo do que foi apresentado, podemos dizer que o escravismo antigo, se fez presente no mundo greco-romano, na antiguidade, de forma heterogênea. Logo, neste sistema, a produção não está voltada para atender uma demanda em larga escala, visto que, as condições estruturais não permitiam (precaridade dos transportes e baixo nível tecnológico). A aquisição de cativos está relacionado a aspectos variados que vão desde o nascimento, tráfico de escravos até prisioneiros de guerra. Neste sentido, o escravismo antigo, como Paul Veyne (1990) mostra, não tem uma origem étnica, ou seja, essa instituição não está restrita a um grupo social ou a um povo. Além disso, não havia restrições sobre onde o escravizado poderia ser utilizado, podendo até ocupar funções administrativas no governo.

Referências:

FINLEY, Moses. Escravidão antiga e ideologia moderna: tradução de Noberto Luiz Guarinello- Rio de Janeiro: Graal, 1991.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. – 3ª.ed. – São Paulo: Contexto, 2004. –Repensando a História.

VEYNE, Paul (org.). História da vida privada: Do império romano ao ano mil. tradução de Hildegard Feist. -3ª ed.- São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

MAESTRI, Mário Filho. Breve história da escravidão. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1986.

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