Water Carriers por Ruendas, Brasil, 1830

A escravidão é uma instituição que se fez presente em várias sociedades e em diferentes épocas. E, segundo Moses Finley (1991), existiu como uma instituição fundamental em formações sociais tão diferentes como o Império Romano e os Estados Unidos do século XIX” (Finley, 1991, pág. 73).  Como  conceito, a escravidão também se caracteriza como uma construção histórica, com características semelhantes e dissemelhantes ao longo do tempo. Mas, sendo assim, o que de fato é a escravidão?

Alguns pontos precisam ser considerados para chegarmos a uma resposta. O primeiro, como Gorender (2016) nos mostra, não podemos pensar que, todo trabalho compulsório é escravidão. Existiam outras relações de produção, como o trabalho obrigatório exigido pelo Estado ao camponês, na antiguidade oriental, no modo de produção asiático, por exemplo, que não se enquadra no conceito.

Segundo, a escravidão é uma categoria social que não indica, necessariamente, um modo de produção. Essa assertiva, encontra respaldo nos escritos de Pétré-Grenouilleau (2009), Paul Veyne (1990) e o Moses Finley (1991). Ou seja, não é o fato de uma sociedade ter a presença de cativos, que vai fazer dela uma sociedade escravista, muito menos é a quantidade de escravizados que a definem como tal. Podemos citar, o exemplo do sistema feudal, onde havia a presença de escravizados, naquela sociedade, mas a relação de produção predominante era a servil.

O terceiro ponto, e o mais importante, é que a escravidão é uma relação social, pautada na exploração do senhor (dono) sobre o escravizado (propriedade). Sendo esta relação, uma relação de dominação e não de dependência. Importante frisar, […] A escravidão é extraeconômica e tão pouco constitui uma simples categoria jurídica, […]é uma distinção social que não se fundamenta na “tradicionalidade” do dinheiro, e por isso a comparamos ao racismo; […] (Veyne, 1990, pág. 68). Logo, é uma relação social, de tal forma, que não se fundamenta no dinheiro, e como bem mostra Paul Veyne (1990), tem laços estreitos com o racismo.

Escravidão no sentido Iato e estrito?

Gorender (2016) nos mostra ainda, que a escravidão pode ter dois sentidos, o Iato e o estrito. O sentido Iato é a escravidão que nem sempre tem vínculo com a produção, ou, como ele chama de “natureza produtiva”. Neste tipo de escravidão, o escravizado tem um status diferenciado. Podemos citar o exemplo dos escravos domésticos, aqueles que trabalham na casa do seu senhor, e são responsáveis pelos afazeres domésticos. No caso do Brasil colonial, estes indivíduos não estavam, diretamente, ligados a produção de açúcar, ou seja, com o corte, transporte e transformação da cana em açúcar. Por sua proximidade com o senhor, estes indivíduos escravizados, podiam acabar ganhando a sua confiança enquanto os servem. Logo, este indivíduo, comparado a outros escravizados, poderia ter condições mais amenas. Mesmo assim, a relação social, entre o senhor e o escravizado, continua sendo uma relação de dominante e dominado, e de exploração, como mostra Pétré-Grenouilleau (2009), “O escravo “doméstico”, portanto, é tão “explorado” quanto qualquer outro. Às vezes, pode ter vantagens particulares ligadas à proximidade com quem o emprega […] Porém, mais próximo, também pode ser mais rápida e diretamente agredido por um “senhor” colérico (Pétré-Grenouilleau, 2009, pág. 25).

Já a escravidão no sentido estrito, é aquela, como mostra Gorender (2016), associada à produção. Neste caso, um modo de produção escravista, em que a escravidão é a base da produção, ou seja, as relações predominantes são baseadas na exploração do senhor sobre o escravo. Nas sociedades em que a escravidão no sentido estrito predominou, condicionou não só a economia, mas fundamentou todas as esferas da vida social destas sociedades, seja no âmbito público ou privado. Dando sustentação, inclusive, para escravidão no sentido Iato.  

Referências:

FINLEY, Moses. Escravidão antiga e ideologia moderna: tradução de Noberto Luiz Guarinello- Rio de Janeiro: Graal, 1991.

GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. -1.ed –São Paulo: Expressão popular: Perseu Abramo, 2016.

PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, Oliver. A história da escravidão; tradução Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2009.

VEYNE, Paul (org). História da vida privada: Do império romano ao ano mil. tradução de Hildegard Feist. -3ª ed.- São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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